O que é o ser?
Tudo que vemos, sentimos e acreditamos ser a realidade é meramente uma projeção da nossa cabeça?
Era segunda-feira, por volta de umas 7 horas da manhã. Eu chegara cansado na escola, os finais de semana eram sempre agitados na época do segundo grau. Foi quando meu professor de filosofia entrou na sala, fechou a porta e fez uma pergunta que me atordoou por um bom tempo: "Quem poderia me ajudar a esclarecer o que é esta porta?" indagou o professor. Bem rapidamente, minha atenção se voltou para aquela figura curiosa que se atrevia a fazer uma pergunta, à primeira vista, de tamanha idiotice para um bando de adolescentes espinhentos que dormiam tranquilamente em suas cadeiras. Eu me sensibilizei com aquela pergunta, talvez por achar que poderia responder de maneira simples: "Como assim, o que é essa porta? É uma porta, todos sabem o que é uma porta," havia dito em voz alta ao invés de só pensar em voz baixa. Ele se voltou para mim, acreditando ter fisgado sua vítima do discurso, e me fez diretamente a pergunta: "Certo, então me diga, o que é esta porta?" com um tom ainda mais provocador.
Eu nunca fui de fugir a uma discussão retórica. Sou de uma família de pessoas altamente críticas; todos sempre tinham uma opinião, e era comum passarmos horas discutindo sobre os mais variados assuntos após o almoço de domingo: futebol, política, educação, praticamente qualquer assunto, em especial aqueles que ninguém havia se especializado. Todos pareciam cheios de suas verdades e dispostos a convencer o outro como se um tribunal de inquisição houvesse se imposto e somente um vencedor sairia daquela batalha. Não seria um professor que me faria deixar de emitir minha opinião, especialmente quando eu mesmo não estava ciente da minha ignorância no tema, o que observo hoje acontecer com muito mais frequência do que eu gostaria. Bem da verdade, geralmente eu me percebo extremamente ignorante quando penso alguns segundos na minha primeira resposta e vejo que ela não poderia ser mais vazia de sentido e cheia de falsas verdades.
Mas eu não era exatamente assim na minha adolescência, era um cético, ignorante, “opinador”, uma espécie de sofista moderno capaz de entrar nas maiores batalhas discursivas sem muito contexto, e sair com a falsa vitória, tendo derrotado seus adversários pelo poder do discurso. "Então me diga, o que é esta porta?" A pergunta ainda não havia sido respondida. "É isso que separa o lado de dentro do lado de fora, e você acabou de cruzar," respondi certo de estar encerrando o debate. "Você me disse o que a porta faz, não o que ela é. Pergunto novamente, o que é esta porta?" disse ele em tom de sarcasmo. Estava me instigando a pensar mais? O que ele queria como resposta? "Certo, a porta é um pedaço de madeira, geralmente tratada e pintada que, esta, por exemplo, é branca," arrisquei um novo palpite. "Você me disse agora do que ela é feita, sua substância, e me trouxe uma de suas qualidades, a cor, mas ainda não respondeu. Então diga, o que é esta porta?" Ele parecia se divertir com aquela cena. "Esta porta tem 200 por 70 centímetros, pesa alguns quilos suponho, é geralmente menor que uma janela e está sempre instalada em uma parede," me arrisquei novamente. "Certo, você me disse quantidades, medidas, me disse o espaço que ela ocupa, relacionou ela com outra coisa, mas ainda não me disse, o que é esta porta?" o professor respondeu.
A essa altura eu já estava entendendo que não venceria, alguns colegas olhavam atentos aquela discussão, enquanto outros dormiam tranquilamente, como eu mesmo costumava fazer durante os primeiros tempos, isso nas poucas vezes que eu acordava a tempo de chegar no primeiro horário. Sempre fui noturno, gostava de dormir tarde, e usava de todo tipo de artimanha para não acordar cedo. Meu irmão sofria tentando me acordar, por muito pouco não tomou um soco em várias situações, minha mãe já havia desistido no fundamental, o único que se aventurava era meu pai. Eu tinha medo dele, sua autoridade tinha uma função muito clara, em especial quando não demonstrava respeito pelos acordos. Lembro do meu pai empenhado em me educar para o horário. Me acordava de várias formas, nem todas gentis. Eu criei uma verdadeira relação de amor e ódio com um relógio que ele me deu; o bicho era muito nervoso, daqueles de pino com duas campainhas na ponta. Quando ele começava a tocar, acordava o prédio inteiro, e ele, para piorar, deixava o maldito em cima do armário, longe da cama, de maneira que eu tinha que levantar da cama, era impossível dormir com aquela sirene ligada a poucos metros. À época das aulas de filosofia, já havíamos nos mudado para uma vila próxima da escola. A janela do meu quarto dava para a rua, e por muitas vezes o inspetor batia na minha janela para me acordar quando passava pela rua.
Eu gostava das aulas de filosofia. O professor era uma figura; além de filósofo, era também físico teórico, astrônomo e químico, pelo menos é o que parecia, uma vez que ele ministrava as aulas de laboratório, além da aula semanal de filosofia. Certo dia ele nos apresentou seu projeto de navegação interestelar. Ele utilizaria um motor movido a reações de aniquilação de matéria e antimatéria, que liberariam quantidades inimagináveis de energia e poderiam mover uma nave pequena próxima à velocidade da luz. Outra ideia seria uma nave a vela movida a luz. Se pudesse construir uma vela feita de papel alumínio em uma caravela espacial super leve, bastaria ligar um feixe de luz na vela que a nave se moveria na velocidade da luz, isso quando ele não sacava uma folha de papel, fazia dois pontos, um em cada canto da folha e nos mostrava como seria incrível poder atravessar um buraco cósmico de minhoca. Ele traçava uma linha entre os dois extremos da folha, mostrando que o caminho seria de anos-luz. Então ele dobrava a folha, de maneira que os pontos ficassem alinhados e com uma caneta daquelas esferográficas furava a folha e mostrava que seria uma travessia bem mais rápida se pudéssemos dobrar o espaço. Eram todas teorias bem possíveis, e essas loucuras me despertavam curiosidade, de maneira que me esforçava para estar presente nas suas aulas às segundas no primeiro horário.
Mas voltemos à questão, "O que é esta porta?" ele perguntara. Eu já havia tentado descrever aquela porta de algumas maneiras, pelas suas qualidades, quantidade, substância, como se relacionava, seu lugar, seu estado, como agia, todas sem sucesso. Tentei pensar como ele pensaria, de uma maneira não ortodoxa e meio maluca. "Bem, essa porta não é essa mesa, nem essa cadeira, isso podemos concordar," arrisquei dizer. "Me parece uma boa estratégia tentar dizer o que uma coisa é a partir do que ela não é, mas isso nos colocaria diante de um trabalho infinito de tentar descrever o que é uma coisa, pois precisaríamos negar todas as demais existentes," ele indagou. Ainda não havia me dado por vencido. "Para quem está apertado para ir ao banheiro, uma porta fechada pode ser um grande obstáculo, já para quem está preso em uma sala pegando fogo, uma porta pode ser a sua salvação. A porta é uma coisa para cada um, muda para a própria pessoa, o que ela é para mim agora, não será necessariamente depois, nem para mim nem para você," disse, mas ele ainda não havia se dado por satisfeito. "Uma porta pode ser diferentes coisas, pode ter diferentes sentidos, sua natureza não é limitada por nenhuma dessas coisas que podemos descrever, apesar de todas essas categorias estarem contidas no universo de possibilidades que essa porta apresenta, caso contrário não saberíamos discriminar essa porta da janela ou da parede como você mesmo disse. A porta é tudo isso que ela permite ser, sem nunca conseguirmos esgotá-la em sua totalidade. Voltamos à pergunta, o que é esta porta então?" ele questionou, dessa vez com um olhar mais compassivo.
A aula terminou em poucos minutos, não havia mais tempo. Saímos pela porta e seguimos para a aula de matemática. Teríamos ainda inglês e língua portuguesa na sequência. Não tinha muito tempo para ficar pensando que diabos é a porta. Afinal de contas, escola não é lugar de perder tempo pensando nessas coisas; estamos lá para sermos ensinados e conduzidos na luz da razão. Todo conhecimento prático acumulado do mundo precisa ser ensinado para que as crianças saibam como existir no mundo. Não podemos nos esquecer, claro, de como elas devem se comportar em sociedade, como seguir ordens, como ter disciplina, como se submeter às regras. Há muito tempo, os detentores do poder descobriram que seria muito mais simples e barato docilizar os corpos humanos e ensinar as próprias pessoas a reprimirem seus sentidos em busca de uma normalidade, se privando do seu poder de expansão criativa, do que ficar tentando reprimir estas pessoas posteriormente. Pessoas potentes, críticas e revoltadas questionam demais o mundo, perguntam demais o que é a realidade, querem saber de tudo, até o que é uma porta, não estão satisfeitas com as respostas que recebem. Corremos o risco de elas acabarem descobrindo para que servem as portas, as janelas e as paredes nas escolas, por exemplo. Elas não servem necessariamente para não deixar ninguém entrar, mas sim para não deixar ninguém sair. A escola surge junto com as prisões, faz parte do grande projeto de sociedade moderna que vigia e pune a liberdade, como diria Foucault. Jovens potentes podem querer inventar novos usos para a porta, podem querer remover as portas, as paredes, as janelas das escolas, podem querer remover as grades, os muros, podem querer pensar ao invés de estudar, podem querer muito, e querer dá muito trabalho.
Me lembrei recentemente dessa aula de filosofia que tive na escola há uns vinte anos, quando comecei a questionar novamente o que é o sentido do ser. Me refiz essa mesma pergunta sobre os objetos que me cercam. A pergunta veio novamente: “O que é essa porta?” Ela vem em vários momentos, para diferentes coisas. Estive sempre questionando o modo de ser de cada coisa. Na época da escola, não tinha percebido ainda que poderia fazer desta pergunta meu próprio modo de existir, mas não estava dentro do meu universo de possibilidades. O mundo não parecia, como ainda não parece, ser um lugar convidativo para pessoas que se atrevem a questionar a própria realidade.
Acabei seguindo meus estudos, e futuramente minha carreira, na área de exatas. As ciências humanas pareciam confusas demais para mim, que era uma pessoa extremamente racional, lógica, cartesiana. Toda pergunta precisa de uma resposta, e uma deve necessariamente ser a melhor resposta possível, que acordamos ser a verdade até que se prove o contrário. Acreditava em verdades, e as encontrei em abundância nas ciências, em especial na tecnologia.
Os computadores são bem lógicos; quando escrevemos um programa ou construímos um sistema ele está determinado a cumprir a sequência de instruções que foi programado. Quando não funciona como esperado, aplicamos o método de investigação científico e resolvemos. Começamos por identificar claramente e isolar o problema, estabelecemos uma lista de hipóteses e escrevemos alguns testes para validar ou negar os experimentos, reduzindo gradativamente as possibilidades até encontrarmos a solução. Basta olhar com atenção o código, refletir um pouco e engajar em relação com ele, calculando instrução por instrução e questionando o que poderia dar errado naquela parte, que as hipóteses aparecem, como se elas estivessem pedindo para serem descobertas. Um programador menos experiente pode sofrer um pouco mais, mas poderá recorrer a um mais experiente, que a hipótese “verdadeira” acaba aparecendo. Não tem como não se fascinar por esse tipo de coisa. Os sistemas transmitem paz e segurança, não são movidos pelo caos ou pelo acaso. Quando uma coisa não funciona é porque o defeito já estava lá, muitas vezes escondido, muitas vezes por iterações ou cenários não previstos, mas basta investigar cientificamente que você encontrará o defeito e poderá reparar a causa. Nunca que um problema se cria do nada; do nada, nada se cria.
É fácil a gente se enganar que o mundo é assim também, pensar que a natureza foi programada por um ser superior, e todas as causas estão contidas no seu código fonte. O ser humano, com suas ciências, imagina poder fazer uma espécie de engenharia reversa do programa original, e com isso ir revelando aos poucos seu funcionamento, linha após linha do código, na esperança de, ao compreender o código fonte presente, poder hackeá-lo e modificá-lo para talvez, quem sabe, acabar com toda dor, sofrimento, fome, miséria, violência, ou só para ganhar mais dinheiro mesmo e ter uma vida mais repleta de coisas e menos rica de sentido.
Quando dizemos que uma “coisa” é “algo”, como no caso da porta, “aquilo” é uma porta, estamos utilizando nossa faculdade de estabelecer signos para as coisas. O modo de ser humano é “significar” as “coisas” ao seu redor, todas as coisas, o tempo todo, nada foge desse modo de ser. Linguagem não é só a fala, ou a língua falada, não são somente os sentidos que temos, tampouco é nossa consciência ou nossa razão, nem nossa comunicação; é tudo isso, mas muito mais, é toda e qualquer representação humana da realidade. Tudo que sentimos do mundo ao nosso redor é compreendido através de representações presentes na linguagem humana. Nós percebemos o mundo com nossos sentidos, com nosso corpo, e nosso corpo não está separado da nossa mente, temos um corpo vivo que sente, pensa e significa. Quando sentimos frio, nosso corpo já significou antes mesmo de pensarmos conscientemente naquilo; quando sentimos medo, nosso corpo já significa aquele medo e nos prepara para agir. Nosso consciente não é a fronteira da nossa linguagem, tampouco nosso inconsciente, mas todo nosso corpo. Nosso corpo é a fronteira da nossa existência enquanto seres humanos, e é nessa fronteira que reside a linguagem. A linguagem humana não é simplesmente o lugar de significados, é todo o universo de representações que criamos da realidade do mundo na nossa interação com o universo, sendo portanto, para os seres humanos, o próprio mundo.
Nós nunca estamos interagindo diretamente com a efetividade da substância do mundo. No modo de ser humano, estamos sempre nos relacionando com o universo simbólico criado em nossas mentes como uma representação possível do mundo. E fazemos isso para tudo, o tempo todo; estamos presos dentro desse universo de representações criadas pelo modo de ser humano, nada escapa a isso.
Diferentemente do que poderíamos pensar à primeira vista, essa habilidade de linguagem não é exclusiva dos seres humanos. Eu sei que muitos consideram que somente os homens significam o mundo e se comunicam, mas se olharmos e procurarmos mais atentamente, encontraremos representação, sentido, percepção da realidade com significado em todas as diferentes formas de vida. Toda forma de vida, enquanto um sistema de matéria em constante transformação controlada por um código genético, possui comportamentos emergentes desse código e está em relação com o meio. As plantas, quando se viram para o lado que apresenta mais luminosidade, estão compreendendo o mundo e reagindo a ele. Os animais, quando percebem o seu lugar de presa na interação com o mundo, fogem ou, em último caso, lutam pela sua sobrevivência; quando observam seu lugar de predador na cadeia, matam pela sua vida. O que nós consideramos como instinto nos animais, e que usamos comumente para distinguir o humano da natureza, dizendo que só o ser humano pode agir com liberdade negando seus próprios impulsos, não me parece correto. O ser humano tem muito mais possibilidades de existência, assim como um macaco tem mais possibilidades que um rato, um rato mais que uma bactéria, e assim por diante. Quanto mais complexa a forma de vida, mais possibilidades ela tem de sobreviver e logo mais complexa sua representação da realidade será. Entretanto, estamos todos presos dentro do universo de possibilidades que nossa existência permite. Mesmo quando “escolhemos” por uma falsa percepção de “liberdade”, já estamos condenados a fazer aquela escolha; afinal de contas, toda escolha é sempre a única escolha possível, dado o universo de possibilidades e todos os afetos presentes, escolhemos antes de saber que escolhemos. Isso pode nos assustar um pouco, mas a falsa sensação de escolha que acreditamos ter não vai mudar pelo simples fato de você saber disso. Continuaremos escolhendo; o ser humano está condenado a ter consciência de sua existência, e sua liberdade é fruto da sua consciência.
Uma não escolha é uma escolha, e em essência toda escolha é instintiva.
Nossa representação do mundo não é dada somente pela experiência que temos com o mundo, não estamos somente recebendo passivamente os afetos do mundo e aprendendo com eles, mas estamos constantemente, ativamente, construindo a própria representação do mundo. Filtramos e modificamos ativamente os afetos, de maneira consciente e inconsciente, querendo e não querendo, somos agentes da construção da representação do mundo, e portanto do próprio mundo. Toda forma de vida carrega consigo habilidades inatas de compreender e interagir com o mundo, defendo que nessa compreensão e ação está sempre presente em primeiro lugar a própria representação do mundo, seguida de um processamento dessa realidade representada e uma escolha instintiva da ação. O resultado das nossas ações é percebido também como novas representações, e seguimos indefinidamente esse fluxo; enquanto você estiver vivo, estará representando e interagindo com sua representação do mundo.
Pois bem, então tudo que vemos, sentimos e acreditamos ser a realidade é meramente uma projeção da nossa cabeça? Tudo que existe é linguagem, toda a realidade reside na linguagem, a própria linguagem humana seria a realidade? Estaríamos presos dentro de uma matrix existencial, que parece ainda pior que o filme, pois no filme pelo menos tem uma inteligência artificial que cria a mesma projeção que é recebida como verdade para todas as pessoas. Penso que no filme todos vivem a mesma realidade, mesmo que não seja real. Já na nossa vida “real” a coisa é mais séria: cada sujeito é o ser supremo da sua própria versão da realidade e julga que os outros vivem na sua própria projeção, mas ele mesmo não tem liberdade para dirigir a própria vida. O roteirista não é você, é sua programação epigenética, o que você traz com você quando nasce e tudo que o meio ambiente te imprime na sua interação; esse é o verdadeiro roteirista. Sua consciência, sua inconsciência, seu corpo, sua própria razão, todo recorte da realidade que fazemos, é consequência dessa representação, que podemos processar e agir a partir do nosso código pessoal, que segue vivo e se transformando enquanto vivo.
Apesar do mundo que vivemos enquanto seres vivos residir na linguagem, ou nessa representação “real” da efetividade da própria realidade, não podemos esquecer que essa representação em si não é a realidade, mas é o limite mais próximo que poderemos chegar de conhecer a realidade em si. A substância da “coisa”, a sustância do ser de cada “coisa”, nós nunca chegaremos a “tocar”, “ver” ou mesmo “sentir”. Ainda assim, não podemos esquecer que ela é a efetividade em si, e que nos residimos nesse caos infinito e inesgotável que é a natureza, e que nossa representação da realidade só é possível a partir do universo de possibilidades do ser dessa natureza. Nós não podemos “ver”, mas sabemos que está lá, quando esquecemos disso e nos apegamos somente na nossa própria representação do “real” como sendo o próprio real, esquecendo que em toda representação existe uma abstração, uma redução, esquecemos que nossa representação não pode capturar toda a “verdade” do ser, nessa redução do real para o “real” perdemos muito da realidade, e quando estas duas realidades se contradizem será sempre a efetividade da realidade que irá se sobrepor, por mais que você acredite na sua própria representação do real como “real”, será sempre uma representação uma cópia desgastada e muitas vezes mal feita da realidade.
Voltemos à questão: “O que é esta porta?”, que ainda nos persegue.
Aquela aula de filosofia, há tantos anos, plantou em mim uma semente de inquietação. Na época, eu não percebia que essa pergunta simples era, na verdade, um convite para explorar os limites do conhecimento e da representação da realidade humana. O que realmente significa conhecer algo? Como podemos afirmar com certeza o que é uma coisa, quando nossa própria compreensão do mundo é mediada por uma série de representações simbólicas?
No meu trabalho com computadores e sistemas, tudo parecia claro e ordenado. Cada linha de código, cada função, cada algoritmo estava ali, esperando ser decifrado e compreendido. Mas, e se o próprio universo funcionasse de maneira similar, com um código fonte oculto esperando para ser descoberto? E se a realidade fosse, de fato, uma série de interações complexas que apenas pareciam caóticas porque ainda não conseguimos decifrar todas as suas regras?
No entanto, a filosofia me lembrava constantemente que essa visão mecanicista do mundo era limitada. A ideia de que podemos entender tudo através da razão e da lógica, como se o mundo fosse um grande sistema ordenado, ignora a complexidade da realidade e a profundidade da experiência humana. A nossa percepção é inevitavelmente relativista e nossa compreensão do mundo está sempre filtrada pela linguagem, pelos sentidos e pelas experiências individuais. Na nossa representação da realidade, nos enganamos muitas vezes de uma suposta ordem, criamos defesas na nossa realidade para nos protegermos da contingência do que é efetivamente real e acabamos nos perdendo dentro dessa própria realidade como sendo propriamente o real.
A pergunta sobre a porta era um exemplo claro dessa limitação. Uma porta não é apenas um objeto físico com medidas e funções. Ela é também um símbolo, um ponto de transição, uma fronteira que separa e conecta mundos diferentes. Sua existência está imbuída de significado, que varia dependendo de qual relação outros seres estabelecem com ela,.
Hoje, ao olhar para uma porta, não vejo apenas um objeto utilitário. Vejo uma fronteira do limite da experiência humana com o mundo, um símbolo das inúmeras possibilidades de relação e transformação. Vejo uma abertura para explorar novas realidades, e questionar fronteiras que delimitam nosso entendimento. Vejo sobretudo um lembrete constante de que a busca pelo conhecimento e compreensão é um processo contínuo, que exige não apenas lógica e razão, mas também imaginação, intuição, criatividade e abertura para o desconhecido.
A pergunta do professor, “O que é esta porta?”, tornou-se uma metáfora para minha própria jornada de autoconhecimento e descoberta. E, assim, continuo a explorar, questionar e aprender, sabendo que cada resposta encontrada abre com elas novas portas e cada porta atravessada revela novos caminhos.

